segunda-feira, 25 de julho de 2011

a múmia.


Na cama ao lado uma múmia. Apenas os olhos negros se revelavam. E eu, com um pouco de piedade, perguntei a múmia se ela queria fumar. Não respondeu.

Acendi o cigarro, escondendo das enfermeiras que passavam apressadas pelo corredor, e procurei a boca da múmia por entre as bandagens  manchadas de sangue. A múmia estremeceu. Pela janela a lua iluminava a ponta do cigarro. E eu a mandava fumar: fume, fume, fume múmia; fume e esqueça de tudo... Os olhos da múmia não me largavam.

De repente a fumaça começou a sair por entre as gazes. Saia fumaça pelas orelhas, pelo nariz, pela garganta, pelo peito... Retirei o cigarro, apaguei-o e espanei a fumaça da  enorme cabeça da múmia.

Como meu corpo também doesse, deixei a criatura e olhei pro escuro do quarto pra dormir. Lembro-me de ter sonhado que era o melhor jogador de futebol do mundo de ter sonhados qualquer coisa como que caindo de um abismo - mas não tenho certeza, nunca lembro direito dos sonhos. Acordei às 7 da manhã, tranquilo e sem dores. Olhei para o lado e não encontrei a múmia. Pus-me de pé e gritei alto com uma enfermeira que passava:, a voz saiu trêmula e engasgada: - Cadê a múmia? A enfermeira entreabriu a porta dupla do quarto, olhou-me pausamente e afirmou: A múmia morreu...

exercício na alvorada.

Abri os olhos lentamente, voltando do torpor da noite e das festas, e eu reparei, consciente e cansado, o Sol, no triunfo de um tipo de Deus, pousando seu clarão sobre o tudo, sem um erro, sem uma imperfeição, sem um excesso, colorindo os morros e a Cidade vazia de alguma coisa, reluzindo no mar calmo...

E aquela revelação, a cavalgar minha percepção, explodia no sol da minha mente, e oferecia-me a grandiosidade do espetáculo universal. E então eu dei que tudo aquilo,  naquele momento, era apenas a exaustão da consciência maior de existir...

(ainda termino isso)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

a primeira fotografia da história.




A primeira fotografia do mundo. Tirada no verão de 1826 pelo francês Joseph Nicéphore Niépce da janela de sua casa.

A descoberta se deu quando o inventor teimoso pesquisava uma forma automática de copiar desenhos e traço nas pedras de litografia. 

Niépce começou seus experimentos fotográficos em 1793, mas as imagens desapareciam rapidamente. Ele chamava o processo de heliografia e demorava oito horas para gravar uma imagem.

Essa fotografia encontra-se preservada até hoje.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

greve dos professores.

Eu, que só rabisco coisas inventadas, que só gosto de arte e não entendo muito de política, que acho discutir isso um tédio e demodê, tão em vão, não consegui ficar indiferente a greve dos professores da rede estadual de Santa Catarina. Mais de dois meses sem aulas. Dois meses.
O extremo é que os professores pedem um piso salarial de R$ 1.600,00 – vejam bem: R$ 1.600,00. Valor que não alcança o céu estrelado de nada, não sei se alcança pra uma casa e um carro em 10 anos... Isso é o que os professores estão pedindo: R$ 1.600,00 – que é de direito e o governo nega.
Diz que não, que não dá pra pagar isso para quem estuda e emprega-se na formação dos seres humanos, abrindo mão da ambição, dessa ambição da qual obviamente os políticos se armaram pra alcançarem seus postos, seus status; é que só com ela se chega aonde estão – detalhe é que ambição e sensibilidade social não combinam...

Num mundo, ou num palco, num imenso palco de retardados, como escreveu Shakespeare, onde um jogador de futebol - e pra que um jogador de futebol? - aos 20 anos de idade consegue acumular uma fortuna que 50 pais de famílias não conseguirão em suas existências somadas, o governo negar esses R$ 1.600,00 é um atentado ao senso de justiça, uma prova que está tudo de ponta cabeça, de que o mundo está ao contrário...
raimundo colombo, em letras minúsculas mesmo, porque ele é um minúsculo, conquistou suas vitórias não na base da meritocracia pela competência daquilo que ele se propôs – governar – e sim nas teses das alianças políticas, na soma de apoios, nas ideias estratégicas de eleições e em cima da ingenuidade do povo. Parece-lhes útil que o povo continue assim?... bem bem bem... voltemos cá, esse cara aí, deu-nos um depoimento dizendo que educação não era prioridade.

Educação pública não é prioridade.. Que ironia, o ensino público fundamental é caótico, mas a UFSC e a UDESC são quase intocáveis, estão lá  com as portas de bronze e mármore abertas para os filhos da aristocracia e do ensino privado.

E de brinde, um brinde com uma taça de veneno, deu-nos a “sensível” declaração de que não poderia comprar os uniformes das criancinhas porque teria que pagar os professores... Que malvados esses professores... E que retórica a desse político tão par.

Baila no ar uma dúvida atroz e cruel: os professores estão exigindo um piso que está tabelado pelo governo federal. Piso ridículo. E é constitucional que os estados que não tiverem recursos para esse piso podem solicitar o recurso junto ao FUNDEB.
E porque diabos o raimundo colombo não pede esse dinheiro? Simples como a palavra bola, como a palavra dado, simples como o ensino das escolas públicas, esse dinheiro já veio mas desviou-se para outros setores, para outros lados, para outras prioridades talvez mais rentáveis... E o povo, que em algumas linhas mais acima acusei de ingênuo, continua ocupando-se com importantes marchas da maconha, gays... Que triunfo, que bárbaro, que luxo.

Enquanto isso, alguém que rabisca e gosta de arte, raramente continuará encontrando alguém, moldado nos bancos das escolas públicas pra conversar sobre as certezas de  Shakespeare.

o tempo.



A Menina Afegã -  foto mais popular da história da National Geographic. Clicada em 1984 pelo fantástico Steve McCurry em um campo de refugiados durante a guerra entre União Soviética e Afeganistão, num raro flagra de uma afegã sem a burka - ela acabara de perder os pais em um bombardeio.

Com o fechamento daquele país para a imprensa ocidental não houve mais registros da menina até 2002, quando uma equipe da revista empregou-se em uma expedição para encontrá-la. Acharam uma mulher parecida numa região remota e usando tecnologia biométrica identificaram-na, através da íris, como a menina da foto. 

Revelou-se então que ela chamava-se Sharbatt Gulla e que na época tinha 12 anos. Estava casada e com 4 filhos, sendo que um deles acabará de perder pra uma doença fatal -. Envelhecida e sem mais a mesma intensidade nos olhos, lembrou-se vividamente do emocionado McCarry, lembrou-se vividamente da primeira e única vez que havia sido fotografada em sua existência. Mas Gulla não sabia de sua imagem famosa, não tinha ideia do impacto que seu rosto - seus olhos - causaram na cultura  ocidental.


fábula do melhor amigo.

Em um tempo já cinerário eu descobri... Eu era criança e ainda só desejava viver. Ganhei um patinho, um patinho de verdade. E o patinho, recém-saído do ovo, tornou-se meu melhor amigo. Orgulhava-me ter o único patinho amarelo do mundo. Amava-o e a única dó que me dava era não poder tê-lo ao lado do tra
vesseiro enquanto dormia.

Mas o patinho a medida que crescia ficava cinza e o amor foi-se indo. Éramos uma família de agricultores – meu pai, minha irmã e eu – e numa época difícil, atacados pela miséria que sempre nos rodeava, comemos o patinho assado na panela. Faminto que estava, devorei meu amigo com farinha e sem ressentimento algum.

domingo, 17 de julho de 2011

pra pensar.

E em frente a fila, no hall de entrada, aglomerava-se um grupo de 6 pessoas - 4 mulheres e 2 homens, elas com traços de adolescentes precoces e eles em torno dos 30 anos – um era magro e baixo com uma cabeleira rastafari da qual era impossível manter indiferença, vestia uma camiseta estampando o rosto fabuloso de Bob Marley.

Aguardaram alguém que tardou 17 minutos. Entraram. Da fila reclames, protestos, mas nada alterou o palco, o cenário, as ribaltas...

Foi em um verão da década que passou. Há 7 anos.

Acomodaram-se numa mesa e pediram uma garrafa de whiskey  outra de  champagne e um balde de energéticos. A conversa foi conduzida pelo "Rasta", falava exaustivamente de si e de pessoas. Era DJ. Postou-se por 2 horas na cabine e aliado a seu copo de whiskey inutilmente caro devido a mistura, executou a tarefa de oferecer um espetáculo do estilo aquelas pessoas. Eu não entendi o porquê de rasta e o porquê de Boby Marley . Seus amigos distribuiram cartões e de tudo aquilo eu cansava... A 30 quilômetros dali, no mesmo momento, uma mulher despediu-se dos filhos e do marido deixando o café pronto.

E o "Rasta", acompanhado somente pelo outro rapaz, cruzou-me num táxi.

1 hora e meia depois, quando o sol, que é o mesmo para todos, começou a amanhecer aquelas bandas da terra e invadiu o pátio do El Divino Lounge, uma mulher arrastava os sacos com o lixo da noite.

Na rádio uma música fê-la imaginar os versos que o artista cantava em um idioma que não sabia.

E o espírito do poeta assistiu a lição, o show... A sujeira mais teimosa a mulher arrancava com as mãos - e o pano que esfregava o chão ela afogava em um balde com água sanitária e torcia-o até estendê-lo exausto e limpo, depois batia-o até secar. Tornava a esfregar o mesmo lugar com outro pano. O chão, antes imundo, tornou-se impecável. 

E o poeta, não fosse só uma força ali presente, pudesser, diria Mulher... da noite é essa sujeira, deles é esse lixo, essa propaganda - e seus são esses panos brancos, e seus são esses versos, seu é o espetáculo do sol que nesse piso limpo agora reluz...



e se.

                               
Mesmo que o mundo fosse preto e branco, a vida, que às vezes é tão difícil e injusta, seria bonita.